Qing (filosofia)
Na filosofia chinesa, qing (em chinês: 情, transl. qíng) é um conceito traduzido de várias maneiras como "emoção", "sentimento" ou "paixão".
É no início do século IV a.C. que as emoções aparecem pela primeira vez com grande importância filosófica nos textos chineses, e a palavra qing, que originalmente era utilizada para as disposições das coisas (com o significado de "realidade",[1] "o que essencialmente é", "os fatos", "genuíno"[2]), passou a adquirir conotação psicofísica e humana.[3] Antes do período Han, segundo Michael Puett, qing possuía múltiplos significados coexistentes, de maneira que seus valores contraditórios se apresentavam em uma ambivalência nos textos filosóficos de Xunzi aos Laozi e Zhuangzi, que se por um lado possuem passagens para controlar e reprimir as emoções, por outro ao mesmo tempo validam-nas como guias para a vida.[4]
Confucionismo
[editar | editar código-fonte]No pensamento confucionista, qing é interpretado como a qualidade comportamental de uma pessoa dado seu contexto, que pode ser melhorada através do cultivo de ren (humanidade), li (propriedade ritual) e yi (retidão) para construir de, ou caráter moral virtuoso.[5] Estudiosos confucionistas, como Han Yu, tradicionalmente identificaram sete emoções básicas (七情 qīqíng),[6] nomeadas no Livro dos Ritos como felicidade (喜), raiva (怒), tristeza (哀), medo (懼), amor (愛), ódio (惡), e desejo (欲).[7] Xunzi chamou-as de emoções naturais (天晴 tianqíng), vindas do Céu ou Natureza (Tian): "gosto", "desgosto", "alegria", "raiva", "tristeza" e "deleite", presentes desde o nascimento e que devem ser realizadas para completar o potencial do "cumprimento da natureza". Assim, apesar de outros trechos considerarem as emoções descontroladas como levando ao desequilíbrio, elas aparecerem como dádivas que devem ser cultivadas.[8] Ele afirma: "Natureza é a tendência que vem do Céu. Qing é a substância da nossa natureza. Desejo é a resposta de qing em nós." (Xunzi, cap. 24) e que "Li (Ritual, Lei ou Ordem) ... dá refinamento e purificação às emoções do homem"[9]
A interpretação de qing como um conceito emocional, especialmente quando conectado a xing, tornou-se bem presente após o período dos Estados Combatentes, porém já nesse período o termo era bastante polissêmico. Em Mêncio, a palavra qing tem ocorrência de 4 vezes, porém não com um sentido de "sentimentos" ou "emoções", e sim de acordo com a característica de disposição e inclinações de todas as coisas segundo sua teoria; quando humano, qing reflete uma potencialidade inata à bondade: assim é dito que qing "pode ser utilizado para o bem" e o argumento menciano justifica algumas emoções inevitáveis como uma base inata à virtude humana.[10]
Os neoconfucionistas entendem qing como produtos de circunstâncias ambientais que afetam xing, ou a natureza humana inata.[6]
Taoismo
[editar | editar código-fonte]O ensino taoísta aparenta visar libertar uma pessoa das paixões (qing), conforme articulado por Zhuang Zhou: "[O sábio] tem a forma de um homem, mas sem qing" (Zhuangzi, cap. 5).[11] Apesar dessa tendência ascética, o taoismo não desconsidera a importância das emoções, e nesse trecho qing está se referindo especificamente como levando à tendência de julgamento de certo ou errado, em que o sábio não possui qing por não se apegar à distinção de negação e afirmação, vivendo assim em fluxo cósmico sem dano interno.[12] As interpretações desse trecho consideram que o taoismo busca um naturalismo que retorna ao estado de inocência das emoções sem conceitualização, valorizando o impulso original sem segundo pensamento; ou então que a mente do sábio é como um espelho que age de acordo com a razão pura e não se abala com emoção: "A mente do homem perfeito é como um espelho. Não se move com as coisas, nem as antecipa. Ele responde às coisas, mas não as retém. Portanto, o homem perfeito é capaz de lidar com as coisas com sucesso, mas não é afetado por elas" (Zhuangzi, cap. 7); ou ainda a interpretação de que o sábio possui um "espírito romântico" de espontaneidade e autenticidade.[13] Há ao total 31 passagens com a instância de qing no texto Zhuangzi, o que inclui algumas em que o termo aparece no sentido mais geral.[12]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Zhang et al. 2008, pp. 4.
- ↑ Averill & Sundararajan (2014), p. 29.
- ↑ Virág 2017, pp. VII-VIII.
- ↑ Virág 2017, pp. 6-7.
- ↑ Ivanhoe & Van Norden (2001), p. 389-393.
- ↑ a b Theobald (2010).
- ↑ Ivanhoe (2015), p. 33.
- ↑ Virág 2017, pp. 168-169.
- ↑ Averill & Sundararajan (2014), p. 35.
- ↑ Virág 2017, pp. 114-115; 152.
- ↑ Averill & Sundararajan (2014), p. 39.
- ↑ a b Virág 2017, pp. 151-152.
- ↑ Averill & Sundararajan (2014), p. 39-41.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Averill, James R.; Sundararajan, Louise (2014). «Passion and qing: Intellectual histories of emotion, West and East» (PDF). In: Pawlik, Kurt; D’Ydewalle, Géry. Psychological Concepts: An International Historical Perspective. Abingdon, Oxfordshire: Psychology Press. ISBN 9781003076384. doi:10.4324/9781003076384-6/
- Bruya, Brian (2001). «Qing (情) and Emotion in Early Chinese Thought». Ming Qing Yanjiu; Late imperial China: 151-176
- Ivanhoe, P.J.; Van Norden, B.W., eds. (2001). Readings in Classical Chinese Philosophy 2nd ed. Indianapolis: Hackett Publishing Co. p. 389-393
- Ivanhoe, Philip J. (2015). «The Historical Significance and Contemporary Relevance of the Four-Seven Debate» (PDF). Philosophy East and West. 65 (2): 401–429. doi:10.1353/pew.2015.0029
- Nelson, Eric S. (2018). «Confucian Relational Hermeneutics, the Emotions, and Ethical Life». In: Fairfield, Paul; Geniusas, Saulius. Relational Hermeneutics: Essays in Comparative Philosophy. London: Bloomsbury. ISBN 9781350077942
- Theobald, U. (2010). «Chinese Thought and Philosophy: Neo-Confucianism». ChinaKnowledge.de
- Virág, Curie (2017). The Emotions in Early Chinese Philosophy (em inglês). Nova Iorque: Oxford University Press
- Zhang, Ruihua; Ooi, Vincent B. Y. (2008). «A corpus-based analysis of qing (情): a contrastive-semantic perspective» (PDF). The International Symposium on Using Corpora in Contrastive and Translation Studies, Hangzhou, China